Luz, Luta e Cinema
- Nathália Carvalho
- 28 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de jun.
Nice no campo da arte e militância
Em 2007, após sua formação como jornalista em Palmas (TO), o hoje professor do curso de Cinema do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Antônio Fabrício Evangelista Barbosa, de 38 anos, foi apresentado a Nice Rejane. Ele já era entusiasta do audiovisual, inclusive, durante a faculdade. Quando chegou em Imperatriz, aos 21 anos, seu amigo Renan Henrique Chaves Messias, que cursava História na UEMA e também estava envolvido com o projeto “Cinema no Teatro”, comentou: “Cara, você tem que conhecer uma pessoa aqui. Mas a Nice é uma pessoa difícil. Vamos ver como é que vai ser o contato”.
O “Cinema no Teatro” nasceu em 2001, a partir de uma iniciativa do professor Gilberto Freire de Santana. Ele tinha uma imensa coleção de filmes, na época ainda em VHS (Video Home System). E foi a paixão pela literatura e cinema que fez com que Gilberto e Nice se aproximassem e dessem continuidade a esse projeto. “Porque como eu tinha os filmes, eu ficava muito indignado de só eu ter assistido. Aqui na cidade já tinham fechado os cinemas, daquelas velhas coisas. Ela [Nice] pegava os filmes lá em casa para assistir”, relatou Gilberto.
As sessões aconteciam no Teatro Ferreira Gullar e o projeto teve duração de 2001 a 2017. Essas exibições eram gratuitas e realizadas semanalmente, às segundas-feiras, às 19 horas, proporcionando aos imperatrizenses acesso a produções clássicas, obras independentes e, especialmente, nacionais. Além disso, a regra do projeto era que não fosse possível encontrá-los nas locadoras locais, não tivessem sido exibidos nos cinemas da cidade e mesmo nas emissoras de televisão aberta. Outra característica é que após as sessões havia debates sobre as películas. Na maioria das vezes, discutiam-se questões sociais.
Mesmo depois de saber que às vezes Nice não estaria com o melhor humor, Antônio Fabrício insistiu em conhecê-la. “Eu soube depois que era um processo de saúde mental que ela estava passando, crise de ansiedade, tudo”, explica. Nesse tempo, Nice era guardiã dos equipamentos do professor Gilberto Freire. E a chegada de Fabrício parecia uma boa oportunidade, embora no começo, ela o colocasse no congelador. Gilberto queria alguém que fizesse cinema em Imperatriz e Nice estava à procura de professor para uma oficina de audiovisual no Sinergia. Esse instituto era responsável por várias iniciativas culturais, uma delas, o Boi Valente, do antigo Grande Santa Rita. Deu certo. “Foi praticamente o meu primeiro emprego depois de formado, e foi a Nice”, reflete Fabrício.
Depois desse trabalho de Ponto de Cultura, eles se aproximaram. Antes disso, Fabrício pensou em uma forma de quebrar o gelo com Nice. Ele e Renan tinham o desejo comum de produzir cinema em Imperatriz por meio de um coletivo. Fabrício lembrou dessas conversas com o amigo e aproveitou para lançar a ideia: criar um núcleo com o nome dela. “Taí, Núcleo Imperatrizense de Cinema Experimental (NICE)”, sugeriu. Ainda que tivesse uma trajetória no audiovisual, Fabrício estava longe de ser profissional. “Uma coisa experimental, chamada experimental pra não chamar de amadora”, classifica. Nice recebeu a proposta como uma zombaria. “Vocês tão gozando com a minha cara”.
Um ano depois, em 2008, o NICE, juntamente com a Associação Artística de Imperatriz (Assarti), começaria a cuidar de toda a programação de calendário, divulgação e mobilização de pessoal em prol da execução do “Cinema no Teatro”, com apoio do Ministério da Cultura, Programadora Brasil e Cine Cultura.
A partir disso, começaram a despertar para produção de vídeos ligados à sétima arte. Na noite do dia 29 de agosto de 2011, o Teatro Ferreira Gullar e o NICE exibiram o curta-metragem intitulado Três reais, primeira parceria na direção de Nice Rejane e Antônio Fabrício. Esse valor se referia ao preço cobrado pelos mototaxistas de Imperatriz para realizarem a maioria dos percursos. Produzido em julho de 2008, e lançado em 2009, trazia uma visão de Imperatriz na ótica desses trabalhadores. Nesse dia, a plateia também conferiu Flávia e o dia que o mundo ficou transparente, A bola e (Des)embaraço, que levantaram questionamentos sobre o preconceito racial enfrentado pelos negros pelas características do cabelo.

Outra criação do NICE com produção da própria Nice em parceria com Fabrício, foi o documentário Camelo, de 2011. O curta-metragem traz um recorte audiovisual da realidade de pessoas comuns, anônimos, estudantes e trabalhadores que tinham a bicicleta como principal meio de transporte. Seis personagens relataram a luta do dia a dia.

As exibições de cinema não se limitavam apenas ao teatro. Nice abriu um bar junto com o jornalista Marcos Franco, em 2006, chamado Boteco do Frei - Bar e Espaço Cultural, na ladeira da rua Urbano Santos, onde hoje acontece, de forma sazonal, a Usina Cultural, uma feira criativa. Dentro do espaço, às terças-feiras, o Cine Clube passava curta-metragens. “Mas só desculpa pra beber também”, ironiza Fabrício. Locais alternativos em Imperatriz eram quase inexistentes, assim, tornavam-se um ponto de encontro para essa galera.


O Ferreira Gullar segue sendo o único teatro de Imperatriz. Nice participou da ampliação e reforma do local em 2018. Como sempre envolvida em projetos visando o bem comum, não seria novidade estar à frente da Associação Artística Imperatrizense (Assarti). Com o recurso da antiga empresa Companhia Energética do Maranhão (Cemar), agora Equatorial Energia Maranhão, conseguiram R$ 320 mil, por meio da Lei de Incentivo à Cultura. “Eu e Nice assinamos", recorda Antônio Fabrício. Contudo, o recurso era insuficiente para concluir toda a obra. “Nem conseguimos fazer tudo o que a gente queria, mas tá lá. Com mais público, com estrutura melhor de camarim, um palco maior e também uma luta da Nice e da Didi”, relata, referindo-se à também integrante e ex-presidente da Assarti, Expedita Vieira de Sá, a Didi Praes.






