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Quem é Nice Rejane?

  • Foto do escritor: Nathália Carvalho
    Nathália Carvalho
  • 19 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 18 de jun.

Multiplas facetas


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A menina, que nasceu em 28 de março de 1977, cresceu na roça e em 1984 ainda não sabia ler, se tornou a professora, pesquisadora, historiadora e ativista política e cultural Nice Rejane Oliveira da Silva. Sua infância foi vivida em uma fazenda próxima a Porto Franco (MA), ao lado do pai, Francisco Lopes, que trabalhava no local, a mãe, Marly Pereira, e Ana Regina, a penúltima irmã mais nova de quatro irmãos. Até então, Nice, já com sete anos, e Ana Regina, não tinham frequentado a escola.


"Churras no quintal da dona Marly" escreveu Nice no Instagram
"Churras no quintal da dona Marly" escreveu Nice no Instagram

Nice Rejane ao lado de seu pai, Francisco Lopes
Nice Rejane ao lado de seu pai, Francisco Lopes

“Aprendi a comemorar a vida com minha família. Lembro de uma radiola vermelha que ficava incessantemente tocando Alceu Valença”, relembrou Nice em uma postagem no seu Instagram. Mas tudo começou a mudar por volta de 1983, quando a mãe tomou a decisão de não querer para as filhas o mesmo destino dela, o analfabetismo. E logo surgiu uma oportunidade para a família morar em Imperatriz (MA), após a madrinha de Ana Regina conseguir comprar e oferecer uma casa situada na rua 7 de Setembro, no bairro Bacuri. 


Nice Rejane, à esquerda, em batizado com sua família
Nice Rejane, à esquerda, em batizado com sua família

Quando chegaram na cidade, Nice e Ana Regina foram matriculadas na escola particular Santo Inácio de Loyola, que hoje é municipalizada. A diretora, Rosilene Silva Loyola, era vizinha do local e também professora. Para as filhas terem direito às aulas de reforço no período da tarde, dona Marly trabalhava como faxineira na sua casa. 

Nice à direita, na histórica Praça de Fátima, em 1986
Nice à direita, na histórica Praça de Fátima, em 1986

As irmãs começaram a frequentar as aulas sem saber ler e escrever. Mas em menos de um ano, já estavam alfabetizadas por Rosilene. Mesmo em meados dos anos 1980, em Imperatriz, a palmatória ainda era um recurso comum, utilizado como “método” de ensino. Anos depois, Ana Regina encontrou a educadora e ela perguntou: “Você lembra quando eu fui alfabetizar vocês duas?” A resposta trouxe à tona as marcas daquele período, mas ela não conseguiu verbalizar o pensamento: “Eu lembro das partes piores. Foi traumatizante. Horrível. Agressão contra criança. Aprendia mais rápido pelo trauma, para se livrar daquilo”, lamenta.

Sua adolescência foi marcada pelo esporte na época do Ensino Médio, no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), atualmente, Instituto Federal do Maranhão (IFMA). Jogava vôlei e handebol.  “Eu ia pra assistir as competições, os Jogos Escolares aqui de Imperatriz. Eu nunca participei de nenhum tipo de esporte, mas ela sempre participou”, menciona Ana Regina. Os jogos costumavam acontecer no Serviço Social da Indústria (Sesi) e na Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB).

Nice, na época de sua adolescência, ao lado de amigos
Nice, na época de sua adolescência, ao lado de amigos
Carteira Estudantil de Nice de 1994
Carteira Estudantil de Nice de 1994

O jeito ousado de ser de Nice já se manifestava aos 13 anos. Nas festas de final de ano, isso era mais comum. Com essa idade, já tomava vinho. “Eu via ela ficar bêbada", relembra Ana Regina. Ser independente lhe caracterizava também. Com pouco tempo para completar os 18, em 1995, Nice saiu de casa e foi morar sozinha.

A trajetória de Nice no curso de História da então Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), no campus de Imperatriz, teve início em 1997, segundo Ana Muniz, que hoje tem 48 anos e foi sua colega de turma. Enquanto Nice se apaixonou pela graduação na área logo no início, o contrário aconteceu com Ana: “Eu me desapaixonei. Eu queria ser desbravadora, arqueóloga. Ela queria ser, realmente, uma formadora de opinião”. A amizade surgiu de forma inusitada no início da faculdade, quando uma aranha caiu em cima da Nice. Ela tinha pavor dos aracnídeos. Mas, Ana, sem hesitar, correu para matar. A atitude abriu portas para longas conversas. 


Ana Muniz e Nice em reecontro em 2015
Ana Muniz e Nice em reecontro em 2015

A universidade também foi um tempo de experimentar e realizar desejos juvenis. Durante um encontro de História, Ana Muniz acompanhou Nice na sua primeira tatuagem. “A gente foi pra São Luís. Todo mundo na brisa do mar. Eu já tinha uma tatuagem horrorosa no tornozelo — até hoje tenho. Parece tatuagem de chiclete.” Nesse local, tinha uns “caras” tatuando. Nice decidiu na hora: “Eu vou fazer uma tatuagem. Quero nem saber se meu pai ou minha mãe vão brigar.” Escolheu uma tribal, no "cangote", como Ana Muniz descreve.

O som de uma cerveja sendo aberta se mistura com as gargalhadas durante a entrevista. Ana Muniz reflete:

“Ela era tão boa de oratória, que ela me convencia de uma coisa que eu tinha certeza de que ela estava errada”. Dá um gole e completa: “Muito boa de argumento. Muito inteligente.” E finaliza, com sinceridade: “Ela me mudou muito. Eu era super preconceituosa, até comigo mesma.” 

Patrick Alves Madeira, 45 anos, chegou em Imperatriz em 1998, concluiu o Ensino Médio e ingressou no curso de História da UEMA, em 1999. Nice estava há cerca de um ano e meio na universidade, já imersa no movimento estudantil. O primeiro contato dele com ela, que ficou gravado em sua memória, aconteceu em uma assembleia de estudantes. Foi sua primeira participação. 

Durante a cerimônia de apresentação, Nice estava compondo a mesa. Ela foi chamada e subiu ao palco. Estava com a perna ferida, resultado de um acidente de moto, e com cabelo curtinho. “Pegou o microfone e começou a falar de forma tão fluida e concatenada, que fui me apaixonando como ela estava expondo aqueles problemas da faculdade”, conta Patrick. 


Nice Rejane ao centro, com roupa vermelha e cabelo curto, em registro feito no ano de 2001
Nice Rejane ao centro, com roupa vermelha e cabelo curto, em registro feito no ano de 2001

Ele se impressionava pela maneira como Nice se expressava e conseguia atrair as pessoas para o movimento estudantil. Sabia sobre a importância de cada estudante se sentir corresponsável e agir. “Ela tinha esse espírito de liderança muito, muito forte", afirma Patrick. Sua postura chamou a atenção e ele queria muito conhecê-la, mas logo pensou: “Acho que ela nunca vai querer conversar comigo, porque eu não tenho assunto nenhum para tratar com uma menina desse jeito.” 

A oportunidade para uma aproximação surgiu em um “Dia de História”, organizado pelo professor Siney Ferraz, em que as turmas poderiam interagir. Era um evento descontraído. Podiam ir de bermudas, experiência diferente do Ensino Médio. Ali começaram a conversar. Nice, “com seu jeito de conseguir informações sem ser intrusiva demais e atenta ao interlocutor”, conquistava ainda mais Patrick, por mais que fosse avançada culturalmente. 

O bate-papo não parou: foi parar no Bar do Gil, recanto boêmio tradicional de Imperatriz, localizado na esquina da universidade. Patrick e Nice seguiram noite adentro conversando e as meninas da época olharam com curiosidade. “Meu Deus, o que esse menino está fazendo com a Nice?”, perguntavam entre cochichos. Até que uma delas, já bêbada, resolveu gritar: “Patrick, larga essa menina! Meu Deus do céu, está doido? Vem para cá, nossa mesa! O que é que a Nice tem?”. Nice reagia rindo. Levava tudo como uma grande comédia melodramática, compara Patrick. 


Selfies que guardam encontros entre Patrick Alves e Nice Rejane


“Ela era aquela pessoa que conseguia, desde a faculdade até a vida pessoal, que as pessoas ficassem ali em volta ouvindo o que ela tinha a dizer, mesmo que divergindo. Mesmo que não concordassem. Mas estavam ali”. A amizade com a turma do Diretório Central dos Estudantes (DCE) trouxe o conhecimento de cantores novos, filmes e dicas de livros. “Foi a forma de se expandir uma mente que estava pequena e jovem ali na UEMA”, reconhece Patrick.


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