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Uma rebeldia de vida e de militância 

  • Foto do escritor: Nathália Carvalho
    Nathália Carvalho
  • 2 de mai.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 18 de jun.

Trajetória acadêmica


Em busca de deixar os corredores da UEMA mais verdes, a então diretora regional, entre 1997 e 2000, professora de Letras, Liratelma Alves Cerqueira, hoje com 73 anos, saiu para comprar vasos de cimento para colocar plantas. Em Imperatriz, na década de 1990, apenas uma loja fabricava, na rua Rio Grande do Norte, ao lado da Telecomunicações do Maranhão (Telma). Ao solicitar a nota fiscal para comprovar a mercadoria adquirida, a dona do estabelecimento disse: “Tem, mas para quê?”. Liratelma explicou que os vasos eram destinados à UEMA. 


A reação foi uma cara de espanto e o início de uma série de questionamentos. "A senhora é o quê?", perguntou ela. "Eu sou a diretora", respondeu. A proprietária mencionou o evento “Queima Raparigal”, expressando sua indignação. "Estou perdendo meu marido por causa daquilo", desabafou. Liratelma, receosa de dizer que a festa era autorizada por ela, apenas comentou que acompanhava. A mulher só não me expulsou, porque ela estava dependendo de mim. Eu ia fazer uma boa compra”, contou. 


A festa universitária, promovida pelo Centro Acadêmico, batizada de “Queima Raparigal”, o motivo de tanta polêmica, curiosamente, nada tinha a ver com o nome sugestivo, na verdade, título de uma obra teatral. Movimentava a UEMA toda semana, e tinha o objetivo de arrecadar fundos para viagens acadêmicas, como os encontros da União Nacional dos Estudantes (UNE) e Encontro Nacional dos Estudantes de Letras (ENEL).


Encontro Nacional de Estudantes de História (ENEH), Belém, 1999. Na borda da foto constavam os nomes: Eliene, Rosyjane, Adriana Zen, Maíza Jones, Nice, Regininha Poltergeist
Encontro Nacional de Estudantes de História (ENEH), Belém, 1999. Na borda da foto constavam os nomes: Eliene, Rosyjane, Adriana Zen, Maíza Jones, Nice, Regininha Poltergeist

O dinheiro arrecadado permitia que os alunos pudessem vivenciar experiências acadêmicas e culturais fora do Maranhão. Segundo a professora Liratelma, “eles voltavam com outra cabeça. Entravam na minha sala, eu ficava babando. Imaginando quem era essa pessoa antes? Quem é agora?”, relatou.


No dia seguinte às festas, a prestação de contas era feita à diretoria. Em algumas ocasiões, os lucros não vinham e, até mesmo, havia prejuízos. No entanto, quando o evento era bem-sucedido, os valores arrecadados garantiam uma reserva financeira para as viagens. “Professora, a gente critica tanto o nosso Centro, nosso campus, tem gente pior, mas muito inferior a nós”, compartilhou Liratelma sobre o impacto dessas experiências na vivência dos estudantes.


Apesar de ser o principal meio para custear as viagens acadêmicas, nem todos viam a festa com bons olhos, como o caso da dona da loja de vasos, algumas namoradas e esposas dos festeiros. Os pais também começaram a repudiar a participação dos filhos. A situação chegou a um ponto que o reitor Cesar Henrique Santos Pires, que foi gestor da universidade entre 1995 e 2002, sob pressão de reclamações e críticas, decidiu intervir no campus. Uma alternativa foi ofertada: “Desautoriza que eu te garanto uma van”, afirmou o reitor a Liratelma. E assim fez: comprou o transporte para os estudantes realizarem as viagens. 


De nomes peculiares, escandalizadores, vivia a turma composta por Nice Rejane, Cláudio Marconcine, Josias Morais, que faleceu em 2003, entre outros. Com o nome nada receptivo a 1997, formaram a chapa Merda, para concorrer ao Diretório Acadêmico “Honestino Guimarães”. Pedro Cesar, o Tucum, após o grupo debater as sugestões colocadas, decidiu olhar novamente para o nome escatológico e começou a rabiscar. Em seguida, decidiu: “Fica Merda mesmo: Movimento Estudantil de Renovação do Diretório Acadêmico”. O slogan não era menos subversivo: “Melhor um ano fazendo merda do que quatro anos fazendo merda nenhuma”. 


Liratelma foi diretora do campus entre 1997 a 2000, e apoiava esse grupo por “debaixo dos panos”, já que a administração superior não podia se manifestar. O pensamento da época se perpetua até hoje de enxergar essas ações de forma positiva. “Era um pessoal que não baixava a cabeça mesmo. Pedia a suspensão e substituição de professor, fazia documento, pedia restaurante universitário, pedia van, pedia dinheiro. Pedia tudo. Mas pedia mesmo na greve, paralisando as atividades”, detalha a ex-diretora. 


Da esquerda para a direita: André (Barata), Nice, Jailson, DD e Josias na Rodoviária de São Luís, em 1998, durante intervalo das ações do movimento estudantil
Da esquerda para a direita: André (Barata), Nice, Jailson, DD e Josias na Rodoviária de São Luís, em 1998, durante intervalo das ações do movimento estudantil

Outro episódio que movimentou as instalações da UEMA foi uma ocupação dos membros do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST). Eles estavam em marcha para Brasília, em 1997, e não tinham onde se hospedar. Vinham de outros estados e precisavam passar a noite em Imperatriz. O líder estudantil Josias Moraes, que viria a falecer em um acidente de moto em novembro de 2003, disse a Liratelma: “A gente precisa ocupar a UEMA. Não tem outro espaço. É muita gente”. Ela aceitou, perguntou o que eles precisavam e só ponderou que ocupassem as dependências da universidade somente após a última aula, às 22h30.


Porém, os viajantes chegaram antes e se posicionaram na frente do portão principal. “O vigia, coitado, era um senhorzinho, senhor Roque. Magrinho, vigia só de nome, porque ele não vigiava nada”, revela Liratelma. Ele ligou para casa de Liraltelma, e os filhos dela responderam que a mãe estava na universidade. “Não, ela não tá na UEMA”, retrucou o vigia.  Ele informou: “Tem uns cinco mil sem-terra aqui para invadir a casa, e o que eu faço?” Um dos filhos respondeu: “Não sei, deixa com ela”. A ex-diretora conta que estava lá dentro da universidade com os meninos organizando o café da manhã dos agregados. “Mas eu não apareci. Até hoje, tem pouca gente que sabe dessa história. Fiquei por trás. Nem o senhor Roque me viu”, já que o Josias que foi abrir os portões. 


No dia seguinte, os trabalhadores tomaram café na universidade. Liratelma saiu pedindo ajuda de mantimento nas padarias. “Mas aí até com minha mãe eu consegui”, conta Liratelma. “Consegui um dinheiro aqui e ali, e comprei pão para todo mundo. Comprei fruta, café, leite e joguei lá no diretório. O Josias, a Nice, a turma deles, resolveram. Foi um outro evento que me marcou muito”, recorda.

Dois jovens que estavam na posição de liderança se conheceram em 1997. Carlos Hermes, de 44 anos, atualmente vereador de Imperatriz, e nessa época, presidente do Grêmio Estudantil da Escola Nascimento de Morais, e Nice, então militante da Pastoral da Juventude. 


Seis anos depois, em 2003, viviam a típica experiência de congressos estudantis. No mesmo ano, Carlos Hermes ocupou outra posição, vice-coordenador do Centro Acadêmico de História. O Congresso Nacional de Estudantes de História (ENEH) daquele ano seria sediado em Recife (PE). “A gente queria muito ir, só que a gente estava liso como sempre”, relata Carlos. Mas acabou pensando em algo. Seu pai tinha um ônibus de turismo, bem usado, “pra não dizer velho”, confessa Carlos. Eles precisavam economizar. Falou com o pai para fazer um desconto. “Pra que eu fiz isso?”, relembra ele. “Meu amigo, chegou bem aqui no Estreito (MA), logo de noite, o ônibus quebrou”. Virou uma piada. “Alguns dizem que quebrou 35 vezes, na ida e na volta. Mas eu acho que quebrou um pouco mais de 10”. Apesar do sufoco, afirma que foi uma viagem inesquecível e ficou marcada no Movimento Estudantil.   


Posteriormente, já como coordenador do Centro Acadêmico de História (CAHIS), Bem-te-vis, hoje renomeado como Nice Rejane, Carlos Hermes organizou outra viagem para o ENEH. Dessa vez, alugou um ônibus de turismo de uma empresa. Antes disso, Carlos teve um papo com o motorista. “Cara, olha, a documentação, está tudo certo, o ônibus é bom", afirmou o condutor. “Rapaz, tu tem certeza? Porque meu histórico não é muito bom”, respondeu Carlos. Mas não imaginava que aquela fama ia continuar o perseguindo. 


Quando chegaram em Terezina (PI), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) solicitou a parada do veículo. Fielmente o motorista ainda afirmava a Carlos que não havia irregularidades. “Um monte de estudante liso. Descendo todo mundo e aí foi aquela verificação de tudo e tal. Não encontraram nada, né? Eu acho que eles queriam encontrar uma maconhazinha, alguma coisa. Mas não encontraram nada”. Resultou na apreensão do ônibus, e eles ficaram o dia todo no local de polícia em Teresina. Depois conseguiram chegar no encontro regional quando a empresa mandou outro veículo. 


Os frutos da graduação para Carlos e Nice, que concluiu o curso de História em 2005, começaram a surgir em 2009, por meio de um concurso do governo do Estado. Ambos foram aprovados como professores substitutos da rede estadual na Universidade Estadual do Maranhão (CESI - UEMA). Nice ocupou essa posição até 2011, depois continuou, de 2014 a 2016. No ensino superior, também trabalharam juntos, na UEMA, no Programa Darcy Ribeiro, de extensão acadêmica. ”Em todos esses momentos da educação ela militava. Ela fazia militância. Usava a educação como instrumento de transformação, de fato”, explica Carlos Hermes. 


No Partido dos Trabalhadores, filiada na década de 1990, Nice Rejane fidelizou amizades. Um desses vínculos foi com o atual vereador de Imperatriz, Aurélio Gomes da Silva. Mais conhecido como Aurélio do PT, aos 45 anos, ele já está no seu quarto mandato na Câmara Municipal. "Ela era apaixonada pelo partido, gostava de fazer política, de defender as pautas das mulheres, da comunidade LGBT. E isso nos aproximou”, comentou Aurélio.


Em 2016, quando se preparava para tentar a reeleição, já no seu segundo mandato, Aurélio convidou Nice para integrar a equipe de planejamento de sua campanha. "Ela topou. Ajudou a gente a pensar na campanha. Ela amava o que fazia, era muito alegre, muito intensa. Ela tinha esse jeito de se doar mesmo, com muita paixão."


Nice declara apoio para Aurélio Gomes em 2018
Nice declara apoio para Aurélio Gomes em 2018

Aurélio do PT também descreve a personalidade de Nice: Era exigente com o que acreditava. Uma dessas bandeiras era o enfrentamento ao machismo. Sabia que, muitas vezes, as mulheres eram julgadas antes de tudo pela aparência. Ela não aceitava isso, era firme. “Sempre que eu topava com ela nas conversas, o que ela tinha para falar, ela falava na lata. Não mandava recado, não”, revela, com uma gargalhada. 


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