top of page

A arte de ocupar espaços

  • Foto do escritor: Nathália Carvalho
    Nathália Carvalho
  • 26 de mai.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 18 de jun.

Últimas ações


Em tempos duros de Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, surgiu a Nice apresentadora. Ela mediava o “Diálogos em Tempos de Pandemia”, promovido pela Uemasul. Era uma série de debates acerca de assuntos relacionados à pandemia do novo coronavírus. As lives tinham temas como fake news, desigualdade de gênero e questões indígenas.  


Banner da live sobre racismo
Banner da live sobre racismo
Banner sobre Fake News e Desinformação
Banner sobre Fake News e Desinformação

O Cineclube Muiraquitã resistiu durante o período de isolamento social. O nome é uma homenagem ao primeiro cinema de Imperatriz da década de 1950, que outrora ocupava o espaço onde atualmente está localizado o restaurante Ritz, em frente da Praça da Cultura. Mais uma vez Nice assumiu o papel de coordenadora. Ela e o grupo migraram as atividades para o ambiente virtual por meio de videoconferências. Antes sediado na sala de vídeo da Uemasul, com a pandemia, cada participante passou a assistir aos filmes em casa e o debate acontecia no Google Meet. Essa ideia do projeto surgiu dos alunos de Jornalismo da UFMA, e, após ser abandonado, o Núcleo de Estudos Literários e Linguísticos (NELLI) decidiu adotá-lo. 


Momento de debate acerca  dos vídeos assistidos
Momento de debate acerca dos vídeos assistidos

À medida que o cineclube se reinventava, oferecendo acesso gratuito a filmes de outras épocas, nacionalidades, propostas e estilos, o projeto agregava uma nova roupagem. “Neste momento de isolamento social, é importante estabelecer a comunicação e a interação entre as pessoas”, enfatizou Nice em uma entrevista.


Entre 2019 e 2020, Nice também começou a amadurecer outra possibilidade: a de disputar uma vaga na Câmara Municipal, como candidata. Chegou a comentar com o vereador Aurélio do PT. “Eu disse que achava importante, porque a política precisa de pessoas boas. Pessoas que têm ideias, sugestões, seres humanos bons. E aí, a gente é carente disso na política.” O incentivo foi imediato. Mas, como tantas outras pessoas que hesitam diante do peso da política, Nice acabou desistindo. “Ela entendia isso. Entendia que tinha que ser candidata pra saber fazer uma transformação em coletivo. Porque o mandato da gente, embora, seja de um CPF só, mas aqui dentro, a gente tenta como coletivo para convencer as pessoas de volta”, acredita Aurélio.


“Toda alma de artista quer partir/ Arte de deixar algum lugar/ Quando não se tem pra onde ir“. As palavras de um dos compositores preferidos de Nice, Chico Buarque, presentes na canção “Na carreira”, em parceria com Edu Lobo, entrelaçadas em uma melodia de despedida e renascimento, explica bem o início do Projeto Memória Teatro Ferreira Gullar, em colaboração com a Associação Artística Imperatrizense (Assarti). Sua partida, em março de 2021, interrompeu esse plano esboçado por ela e assistido pela Lei Aldir Blanc. Mas apesar da dor enfrentada pelos amigos, a chama continuou acesa nas mãos de Fabrício, que logo incentivou Didi Praes a honrar o legado de Nice e não perder o recurso obtido. Assumiram a responsabilidade. "Terminar esse trabalho por ela", disse Fabrício.


Assim, a equipe de voluntários deu início ao quebra-cabeça para resgatar a história do teatro imperatrizense. Digitalização, catalogação e preservação de documentos, fotos, filmes e vídeos. As memórias ganharam vida em uma página virtual (https://memoriaassarti.com.br/), disponível a todos que desejem conhecer ou realizar pesquisas. Esse foi o último projeto de Nice Rejane.  


Ousadia vestida de arte


Nice atriz


“Ela ficava com os peitos de fora. Era uma espécie meio hermética. Era jovem, entendia assim. Mas uma espécie potente”, relata Renan sobre sua impressão quando assistia Nice nos palcos. As experiências teatrais começaram a partir de  uma iniciativa do professor Gilberto, que convidava pessoas por quem tinha apreço, sem ser atores profissionais, apenas para interpretar contos e poemas. Um tipo de brincadeira. Um dia, Nice Rejane foi chamada para uma interpretação poética no Festival de Poesia, Crônica e Conto de Imperatriz no Teatro Ferreira Gullar e ela topou. “Ela se divertiu adoidado. Eu me diverti adoidado”, relembra Gilberto. 


Em 2004, Nice participou como a personagem Rosa, do espetáculo Casa dos velhos, do dramaturgo e diretor teatral Maurício Kartún, dirigido por Gilberto Freire de Santana, no Teatro Ferreira Gullar. A obra contemporânea buscou revisitar a estética do absurdo, a insatisfação do ser humano e elucidar a essência do ser. O elenco incluía Cláudio Marconcine, Carlos Giovanni, Didi Praes, Pinho Gondinho, Henrique Celso e Helio Abreu.


No ano seguinte, em 2005, Nice daria entrevista para o Bom Dia Maranhão do Sul, no canal Band, sobre a XXIII Feira de Artes de Imperatriz, realizada na praça da Cultura. Essa atividade, que reuniu músicos, escritores, artistas plásticos e artesãos, surgiu de um movimento cultural em 1980, junto com a Assarti, sendo as manifestações mais antigas, o Lindô e a Mangaba.


Entrevista com Nice Rejane sobre a XXIII Feira de Artes de Imperatriz, realizada em julho e agosto de 2005, no programa Bom Dia Maranhão do Sul

Na época, ela se apresentava como atriz e secretária da Assarti. Com seu estilo característico, camiseta cavada, brincos balançantes e anel de coco, Nice explicou de modo confiante toda programação da feira. Transparecia conhecer bem a linguagem televisiva, pois dividia sua atenção entre o apresentador e a câmera principal.


Destacavam-se a presença de talentos como Batalhão Real, de dona Francisca do Lindô, Boizinho Vitória, do bairro Vila Vitória, em Imperatriz, os cantores Zeca Tocantins e Ricardo Lima, Arraiá do Zé Comeu, junina que neste mesmo ano, havia vencido festivais de Imperatriz e João Lisboa, além de Carley Berlanda, Xaxado do Pé de Serra e Xote Xique Xique. 


Essa feira artística aconteceu durante 23 anos consecutivos, mas parou por oito, antes de retornar em 2013 e Nice também chegou a participar desse momento. “A retomada dessa feira significa uma retomada do fôlego cultural da cidade. A gente tem poucos espaços de fruição cultural. As praças estão muito mal ocupadas. E poucos espaços para as apresentações dos artistas da cidade”, afirmou na entrevista. 


Mesmo com pouco reconhecimento dos artistas na cidade, Nice já defendia a cultura imperatrizense. “Pessoas sempre colocam que Imperatriz tem problema de identidade, porque não tem identidade cultural. Mas nossa identidade cultural, é justamente essa diversidade”. 


Depois do festival de poesia, Nice viveu uma nova experiência no teatro em 2006, como protagonista do espetáculo Feliz Ano Novo, uma adaptação do texto de Rubem Fonseca, dirigida por Gilberto Freire de Santana, sendo seu último espetáculo teatral em Imperatriz. Novamente, Cláudio Marconcine contracenou com Nice, além de Henrique Celso e Carlos Giovanne compor o elenco.

Peça teatral Feliz Ano Novo (2016)
Peça teatral Feliz Ano Novo (2016)

Em outra entrevista, agora para a TV Difusora, em 2013, Nice comentou sobre a juventude de Imperatriz estar inserida nesse ambiente cultural. “Abre espaço para essas manifestações, não necessariamente, de cunho, que a gente chama de mais raiz, mas também manifestações contemporâneas”.


Reportagem da TV Mirante sobre a XXIV Feira de Artes de Imperatriz realizada pela ASSARTI e ASSARI

Um amigo que se viu marcado por essas mobilizações foi Jhonny Santos. Sua lembrança mais vívida desses eventos é de quando avistou Nice Rejane pela primeira vez em cima de um palco apresentando as atrações musicais, junto com Didi Praes, na Semana do Artesanato de Imperatriz. O evento aconteceu na praça da Cultura, em frente à Academia Imperatrizense de Letras. 


A arte-educadora e pesquisadora Mayara Alexandre Costa, de 39 anos, comenta que a primeira vez que viu Nice aconteceu um divisor de águas na sua vida. Era 2000, Mayara tinha apenas 15 anos e o seu espaço social era restrito à família tradicional e católica. Nesse mesmo ano, em um domingo, Jomar Fernandes ganhou a eleição para prefeito de Imperatriz e a comemoração aconteceu no bairro Juçara. Mayara fugiu de casa em que morava com seus avós para ver a festa dos “comunistas”, como o senso comum denominava o Partido dos Trabalhadores (PT) naquele tempo.


Nice Rejane e Mayara Alexandre
Nice Rejane e Mayara Alexandre

Quando chegou lá, ficou impressionada com tantas pessoas diferentes. Nice tinha estilo punk, cabelo curto e usava maquiagem forte. “Era um corpo que dançava diferente, se colocava diferente. Era tudo tão singular, tão bonito e tão potente. Eu falei: Eu quero esse mundo, eu não quero o mundo das pessoas que se vestem para serem funcionárias do Paraíba”, recordou Mayara.



Apesar das oportunidades em poder se apresentar como atriz em algumas regiões do Maranhão, Nice decidiu não seguir mais essa carreira. Renan relembra uma conversa que teve com a artista, quando ela declarou: “Eu não quero ser atriz, vou trabalhar com iluminação agora”. Sem desejar abandonar o meio teatral, ela percebia carência de iluminadores. “Vou me especializar nisso!”


Peças como Detestinha - O bicho que detesta ler, de 2006, e O segredo do labirinto, contaram com o trabalho de iluminação de Nice. Embora a experiência como iluminadora tenha sido curta, Nice permaneceu no campo das artes, principalmente como produtora de eventos, uma atuação que também a conectava com a política local. Foi nesse cenário que se fortaleceu a convivência com Aurélio, do PT. "Procurava ela para orientar a gente. Chegava uma pauta aqui, levava ao conhecimento dela. Para ver a opinião dela, já que ela era uma produtora cultural, gostava muito da cultura. Gostava do esporte. Amava o que fazia!”, afirmou Aurélio. Mas a paixão pela profissão de professora já dava sinais. O amigo Renan conta que nos últimos dez anos ela estava focada em ser uma boa mestre, tanto que chegou a passar em um concurso.

Capa da peça Detestinha
Capa da peça Detestinha
ree

Leia o próximo capítulo abaixo

 
 
bottom of page